Brasil tem mais de 200 denúncias de trabalho infantil por mês, diz governo

No 1º semestre de 2024, foram registradas 1.251 denúncias de trabalho infantil por meio do Disque 100. Pobreza e desigualdade social são apontadas como as principais causas do problema no país, assim como o racismo estrutural. No dia 12 de junho, é celebrado o Dia Mundial do Combate ao Trabalho Infantil. No 1º semestre de 2024, foram registradas 1.251 denúncias de trabalho infantil por meio do Disque 100 Débora Klempous/Rede Peteca/Chega de Trabalho Infantil Aos 15 anos, Filipe Gonçalves precisou abandonar a escola para trabalhar como pedreiro. Morava com a avó e os irmãos. Era o homem mais velho da casa e precisou, desde cedo, arcar com a responsabilidade de ajudar a família financeiramente. Hoje, aos 28 anos, e sem ter conseguido completar o ensino médio, ele relembra: "Na época, foi uma decisão muito difícil, porque eu ia muito bem nos estudos, tirava notas boas. Porém essa falta de estrutura financeira com a minha família meio que me forçou a deixar os estudos". No 1º semestre deste ano, o Brasil registrou 1.251 denúncias de trabalho infantil por meio dos canais do Disque 100 — uma média de 208 denúncias desse tipo por mês. O levantamento foi feito pela Globonews com base em dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. No 1º semestre de 2024, foram registradas 1.251 denúncias de trabalho infantil por meio do Disque 100. Reprodução/Globonews O número de denúncias desse tipo, que vinha caindo desde os anos 1990, voltou a crescer após a pandemia. Em 2019, cerca de 4,5% do total da população de 5 a 17 anos de idade no Brasil realizava algum tipo de trabalho infantil. Em 2022, o número saltou para 4,9% — quase 1,9 milhão de crianças e adolescentes. Mas, a imensa maioria desses casos não é denunciada. A autora do livro 'Meninos Malabares - Retratos do Trabalho Infantil no Brasil', Bruna Ribeiro, explica que há uma naturalização do trabalho infantil no país. "Por mais que a gente se depare diariamente com situações de trabalho infantil, como o trabalho infantil nos faróis, nas praias e tantas outras formas, o nosso olhar como sociedade muitas vezes não identifica aquela situação como um problema. Existe uma desumanização dessas crianças", diz. O trabalho infantil é caracterizado como todo aquele tipo de trabalho realizado por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima permitida, que, no Brasil, é de 16 anos — salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. Ainda assim, uma série de trabalhos considerados perigosos e prejudiciais à saúde são proibidos para qualquer menor de 18 anos. A pobreza e a desigualdade social são apontadas como as principais causas do alto índice que o Brasil ainda registra de trabalho infantil. Geralmente, ele vem acompanhado de uma série de privação de outros direitos da criança, como o acesso à saúde, à moradia e à educação. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2023, o principal motivo que leva os estudantes à evasão escolar (41,7%) é a necessidade de trabalhar. Esse foi o caso do Filipe, que conciliou as aulas com o trabalho como pedreiro por cerca de seis meses. "Eu levantava às 5h, chegava na obra às 7h. Em casa, chegava 18h30, entrava na escola já na segunda aula e saía às 22h. Isso me esgotou bastante. Tive que deixar a escola", conta. Para a especialista em direitos da criança e do adolescente, o enfrentamento ao trabalho infantil exige políticas públicas intersetoriais. "É preciso investimento em educação, em saúde e moradia, e em profissionalização dos pais e cuidadores", afirma a especialista. "Muitas vezes os adultos dessas famílias também começaram a trabalhar enquanto crianças, não estudaram, não se profissionalizaram e não acessarão o mercado de trabalho formal", explica Ribeiro. O trabalho infantil contribui para a ocorrência do chamado ciclo da pobreza, na qual crianças e adolescentes reproduzem condição similar vivenciada por seus responsáveis. O trabalho infantil também tem relação direta com a escravização da população negra. No Brasil, 66,3% das crianças em situação de trabalho infantil são pretas ou pardas. "Ele foi institucionalizado com a Lei do Ventre Livre, que dizia que a criança, filha da mulher escravizada, seria escravizada até os 8 anos de idade, quando o senhor dos escravos decidiria se ela seria liberta ou não. Se ela não fosse, era obrigada a trabalhar até os 21 anos", explica Ribeiro. “Ou seja, a gente tem aí a institucionalização do trabalho infantil no Brasil. Então não é possível falar sobre enfrentamento ao trabalho infantil também sem falar sobre o enfrentamento ao racismo estrutural", completa a especialista. Leia mais em: De venda de bebidas a coleta de lixo: mais de 2,5 mil crianças e adolescentes são resgatados de trabalho infantil em 2023‌ Quase 5% das crianças e adolescentes do país estão em situação de trabalho infantil, aponta IBGE Veja também: Veja o perfil das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil no país

Brasil tem mais de 200 denúncias de trabalho infantil por mês, diz governo





No 1º semestre de 2024, foram registradas 1.251 denúncias de trabalho infantil por meio do Disque 100. Pobreza e desigualdade social são apontadas como as principais causas do problema no país, assim como o racismo estrutural. No dia 12 de junho, é celebrado o Dia Mundial do Combate ao Trabalho Infantil. No 1º semestre de 2024, foram registradas 1.251 denúncias de trabalho infantil por meio do Disque 100 Débora Klempous/Rede Peteca/Chega de Trabalho Infantil Aos 15 anos, Filipe Gonçalves precisou abandonar a escola para trabalhar como pedreiro. Morava com a avó e os irmãos. Era o homem mais velho da casa e precisou, desde cedo, arcar com a responsabilidade de ajudar a família financeiramente. Hoje, aos 28 anos, e sem ter conseguido completar o ensino médio, ele relembra: "Na época, foi uma decisão muito difícil, porque eu ia muito bem nos estudos, tirava notas boas. Porém essa falta de estrutura financeira com a minha família meio que me forçou a deixar os estudos". No 1º semestre deste ano, o Brasil registrou 1.251 denúncias de trabalho infantil por meio dos canais do Disque 100 — uma média de 208 denúncias desse tipo por mês. O levantamento foi feito pela Globonews com base em dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. No 1º semestre de 2024, foram registradas 1.251 denúncias de trabalho infantil por meio do Disque 100. Reprodução/Globonews O número de denúncias desse tipo, que vinha caindo desde os anos 1990, voltou a crescer após a pandemia. Em 2019, cerca de 4,5% do total da população de 5 a 17 anos de idade no Brasil realizava algum tipo de trabalho infantil. Em 2022, o número saltou para 4,9% — quase 1,9 milhão de crianças e adolescentes. Mas, a imensa maioria desses casos não é denunciada. A autora do livro 'Meninos Malabares - Retratos do Trabalho Infantil no Brasil', Bruna Ribeiro, explica que há uma naturalização do trabalho infantil no país. "Por mais que a gente se depare diariamente com situações de trabalho infantil, como o trabalho infantil nos faróis, nas praias e tantas outras formas, o nosso olhar como sociedade muitas vezes não identifica aquela situação como um problema. Existe uma desumanização dessas crianças", diz. O trabalho infantil é caracterizado como todo aquele tipo de trabalho realizado por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima permitida, que, no Brasil, é de 16 anos — salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. Ainda assim, uma série de trabalhos considerados perigosos e prejudiciais à saúde são proibidos para qualquer menor de 18 anos. A pobreza e a desigualdade social são apontadas como as principais causas do alto índice que o Brasil ainda registra de trabalho infantil. Geralmente, ele vem acompanhado de uma série de privação de outros direitos da criança, como o acesso à saúde, à moradia e à educação. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2023, o principal motivo que leva os estudantes à evasão escolar (41,7%) é a necessidade de trabalhar. Esse foi o caso do Filipe, que conciliou as aulas com o trabalho como pedreiro por cerca de seis meses. "Eu levantava às 5h, chegava na obra às 7h. Em casa, chegava 18h30, entrava na escola já na segunda aula e saía às 22h. Isso me esgotou bastante. Tive que deixar a escola", conta. Para a especialista em direitos da criança e do adolescente, o enfrentamento ao trabalho infantil exige políticas públicas intersetoriais. "É preciso investimento em educação, em saúde e moradia, e em profissionalização dos pais e cuidadores", afirma a especialista. "Muitas vezes os adultos dessas famílias também começaram a trabalhar enquanto crianças, não estudaram, não se profissionalizaram e não acessarão o mercado de trabalho formal", explica Ribeiro. O trabalho infantil contribui para a ocorrência do chamado ciclo da pobreza, na qual crianças e adolescentes reproduzem condição similar vivenciada por seus responsáveis. O trabalho infantil também tem relação direta com a escravização da população negra. No Brasil, 66,3% das crianças em situação de trabalho infantil são pretas ou pardas. "Ele foi institucionalizado com a Lei do Ventre Livre, que dizia que a criança, filha da mulher escravizada, seria escravizada até os 8 anos de idade, quando o senhor dos escravos decidiria se ela seria liberta ou não. Se ela não fosse, era obrigada a trabalhar até os 21 anos", explica Ribeiro. “Ou seja, a gente tem aí a institucionalização do trabalho infantil no Brasil. Então não é possível falar sobre enfrentamento ao trabalho infantil também sem falar sobre o enfrentamento ao racismo estrutural", completa a especialista. Leia mais em: De venda de bebidas a coleta de lixo: mais de 2,5 mil crianças e adolescentes são resgatados de trabalho infantil em 2023‌ Quase 5% das crianças e adolescentes do país estão em situação de trabalho infantil, aponta IBGE Veja também: Veja o perfil das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil no país